Janaína Santos Paulista: “O câncer na população negra é pouco abordado, sendo notável a escassez de ações efetivas”
Em um país marcado por desigualdades profundas, o racismo ainda impacta diretamente a qualidade do atendimento e o acesso aos cuidados de saúde. Essa realidade é especialmente visível quando encaramos as barreiras sociais e econômicas enfrentadas pelas mulheres negras para obter um diagnóstico e tratamento adequados para o câncer de mama. É esse reconhecimento, aliado ao ímpeto de mudar esse cenário, que motiva e impulsiona a carreira de Janaína Santos Paulista.
Aos 38 anos, a mineira de Monte Carmelo é uma força na navegação oncológica e uma voz eloquente na defesa dos direitos da população negra no Brasil. Formada em Enfermagem pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), onde também completou seu mestrado em Atenção à Saúde, Janaína construiu uma carreira marcada pela dedicação à saúde pública.
“Desde a graduação, participei de atividades voltadas para a saúde pública e pacientes oncológicos. Tive a oportunidade de realizar iniciação científica para avaliar a fadiga em pacientes durante o tratamento quimioterápico e acompanhar abordagens na atenção primária por meio do Programa PET-SAÚDE. Considero que foram minhas primeiras oportunidades de vivenciar desafios sociais, econômicos e de saúde e sentir a necessidade de traçar um caminho que pudesse me dar a oportunidade de ser um agente de melhorias”, conta Janaína, refletindo sobre seus primeiros passos na profissão.
A oncologia se tornou um caminho claro para Janaína, que, ao final da graduação, decidiu desenvolver uma pesquisa sobre a qualidade de vida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. O estudo resultou em uma publicação no Bioscience Journal e, segundo ela, foi um momento significativo que contribuiu para seu amadurecimento profissional.
A mudança para Barretos, onde trabalhou no Hospital de Câncer, foi um ponto de virada em sua carreira. “Busquei uma oportunidade e fui selecionada para atuar na área de Pesquisa, com destaque para o desenvolvimento e coordenação de protocolos de pesquisa voltados para pacientes com câncer de mama e câncer colorretal internacionais”, conta.
É preciso mudar as narrativas que limitam e excluem pessoas negras
Em busca de mais prática assistencial, Janaína se mudou para o Rio de Janeiro para realizar a Residência Multiprofissional em Oncologia no Instituto Nacional de Câncer (INCA). “Foi nesse momento que aprendi com profissionais que acreditavam na Saúde Pública e que lutavam pelos valores do Sistema Único de Saúde. Uma nova forma de enxergar a minha profissão começou a surgir.” Durante sua formação no INCA, Janaína teve a oportunidade de ser ensinada por uma mulher negra, uma experiência que teve um impacto profundo em sua visão da profissão. “Foi preciso sair de Minas Gerais, fazer Mestrado e passar por dificuldades para encontrá-la e aprender sobre: enfermagem, cuidado, o significado de ser uma mulher negra cuidando de pessoas negras e claro a importância de defender o SUS”, frisa.
Sua experiência no ambulatório a fez perceber o impacto negativo do racismo na qualidade do atendimento. “Desenvolvi um trabalho de conclusão de curso que analisou os fatores que impactam a acessibilidade da população negra ao cuidado oncológico no Brasil. Vimos que é inegável a dificuldade do paciente negro em acessar os cuidados oncológicos por razões sociais e econômicas.”
Após a residência, Janaína foi contratada para implementar o Projeto de Educação Continuada no Hospital São Carlos Saúde Oncológica, além de coordenar o Projeto Integrativa de Navegação Oncológica vinculado a uma startup em Brasília (DF). “Nas discussões sobre saúde da população negra, persiste um desconhecimento. O câncer nessa população é pouco abordado, e há uma escassez de ações efetivas para o seu enfrentamento, prorrogando as disparidades nas condições de vida e saúde.”
Em 2023, Janaína se especializou em Direitos Humanos, Relações Étnico-Raciais e Saúde, além de Direitos Humanos e Saúde Global pela ENSP-Fiocruz. “É latente em mim a necessidade de estudar para garantir o direito e o acesso ao cuidado oncológico para aqueles que tanto contribuíram para o nosso país, mas estes estão sendo os principais negligenciados dentro do sistema.” Recentemente, ela recebeu o Certificado en Estudios Afrolatinoamericanos do Institute for Afro-Latin American Research da Universidade de Harvard (ALARI) e teve a oportunidade de colaborar com a formação de enfermeiros latino-americanos no Seminário Antirracista do Instituto ALARI - Harvard.
É integrante do Race.ID, grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da USP dedicado à saúde da população negra. Ao lado de outros dois pesquisadores, prepara-se para desenvolver um doutorado que tem como foco mulheres com câncer de colo do útero – um projeto que já ganhou reconhecimento antes mesmo de começar. O estudo foi selecionado para receber um grant internacional, apoio financeiro concedido a iniciativas de relevância científica, e será conduzido por enfermeiras navegadoras negras.
Janaína é clara sobre seu anseio de ver mais profissionais negros ocupando espaços antes considerados inatingíveis. “Meu desejo é que nós, pessoas negras, possamos continuar ocupando espaços que são frequentemente vistos como impossíveis de alcançar e continuar com a formação de profissionais na luta antirracista, para finalmente termos um cuidado centrado na pessoa.”
Caminhos possíveis para a prevenção
Em relação às estratégias de prevenção do câncer de mama, Janaína reforça a importância de uma vida ativa, adequando-a para as condições de cada pessoa. "O primeiro malefício que podemos fazer, para nós mesmos, é querer encaixar a nossa realidade na realidade do outro. Eu não vou conseguir praticar atividade física três vezes na semana, por exemplo, mas será que eu consigo fazer uma caminhada duas vezes por semana? Será que consigo, depois do trabalho, dar uma volta no quarteirão da minha casa? Você precisa tentar, em algum momento, encaixar a atividade física na sua vida por uma questão de saúde. Os números provam isso", enfatiza.
A alimentação e o consumo de álcool também são pontos importantes. “Pessoas com boas condições financeiras e que conseguem entender o prejuízo têm a possibilidade de fazer a troca de uma taça de vinho por um drink não alcoólico, mas, se vocês ampliarem o olhar para comunidades, isso raramente será uma opção. Como fazer com que informações de prevenção sejam algo viável para todos?”, questiona a profissional de saúde.
"Somos brasileiros, e a grande maioria adora churrasco, embutidos e aquela cervejinha em qualquer oportunidade. O que eu penso é: como podemos conscientizar e equilibrar?” Para Janaína, analisar a realidade e as possibilidades de cada paciente é o melhor caminho – e o equilíbrio vale muito mais do que ser radical. “Pequenos passos já são um avanço. Eu, por exemplo, consegui excluir o refrigerante e por gostar muito de café e tomar várias vezes ao dia, escolhi cortar o açúcar. Assim acredito que quando realizamos educação em saúde com nossos pacientes temos uma arma poderosa em mãos: conhecimento gera reflexão que leva a mudanças”, finaliza.
MAMA MAG é uma iniciativa do MAMA. Semanalmente, publicamos entrevistas e reportagens sobre assuntos que conectam arte, cultura, tecnologia, saúde e bem-estar.
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Janaína Santos Paulista: “O câncer na população negra é pouco abordado, sendo notável a escassez de ações efetivas”
Em um país marcado por desigualdades profundas, o racismo ainda impacta diretamente a qualidade do atendimento e o acesso aos cuidados de saúde. Essa realidade é especialmente visível quando encaramos as barreiras sociais e econômicas enfrentadas pelas mulheres negras para obter um diagnóstico e tratamento adequados para o câncer de mama. É esse reconhecimento, aliado ao ímpeto de mudar esse cenário, que motiva e impulsiona a carreira de Janaína Santos Paulista.
Aos 38 anos, a mineira de Monte Carmelo é uma força na navegação oncológica e uma voz eloquente na defesa dos direitos da população negra no Brasil. Formada em Enfermagem pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), onde também completou seu mestrado em Atenção à Saúde, Janaína construiu uma carreira marcada pela dedicação à saúde pública.
“Desde a graduação, participei de atividades voltadas para a saúde pública e pacientes oncológicos. Tive a oportunidade de realizar iniciação científica para avaliar a fadiga em pacientes durante o tratamento quimioterápico e acompanhar abordagens na atenção primária por meio do Programa PET-SAÚDE. Considero que foram minhas primeiras oportunidades de vivenciar desafios sociais, econômicos e de saúde e sentir a necessidade de traçar um caminho que pudesse me dar a oportunidade de ser um agente de melhorias”, conta Janaína, refletindo sobre seus primeiros passos na profissão.
A oncologia se tornou um caminho claro para Janaína, que, ao final da graduação, decidiu desenvolver uma pesquisa sobre a qualidade de vida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. O estudo resultou em uma publicação no Bioscience Journal e, segundo ela, foi um momento significativo que contribuiu para seu amadurecimento profissional.
A mudança para Barretos, onde trabalhou no Hospital de Câncer, foi um ponto de virada em sua carreira. “Busquei uma oportunidade e fui selecionada para atuar na área de Pesquisa, com destaque para o desenvolvimento e coordenação de protocolos de pesquisa voltados para pacientes com câncer de mama e câncer colorretal internacionais”, conta.
É preciso mudar as narrativas que limitam e excluem pessoas negras
Em busca de mais prática assistencial, Janaína se mudou para o Rio de Janeiro para realizar a Residência Multiprofissional em Oncologia no Instituto Nacional de Câncer (INCA). “Foi nesse momento que aprendi com profissionais que acreditavam na Saúde Pública e que lutavam pelos valores do Sistema Único de Saúde. Uma nova forma de enxergar a minha profissão começou a surgir.” Durante sua formação no INCA, Janaína teve a oportunidade de ser ensinada por uma mulher negra, uma experiência que teve um impacto profundo em sua visão da profissão. “Foi preciso sair de Minas Gerais, fazer Mestrado e passar por dificuldades para encontrá-la e aprender sobre: enfermagem, cuidado, o significado de ser uma mulher negra cuidando de pessoas negras e claro a importância de defender o SUS”, frisa.
Sua experiência no ambulatório a fez perceber o impacto negativo do racismo na qualidade do atendimento. “Desenvolvi um trabalho de conclusão de curso que analisou os fatores que impactam a acessibilidade da população negra ao cuidado oncológico no Brasil. Vimos que é inegável a dificuldade do paciente negro em acessar os cuidados oncológicos por razões sociais e econômicas.”
Após a residência, Janaína foi contratada para implementar o Projeto de Educação Continuada no Hospital São Carlos Saúde Oncológica, além de coordenar o Projeto Integrativa de Navegação Oncológica vinculado a uma startup em Brasília (DF). “Nas discussões sobre saúde da população negra, persiste um desconhecimento. O câncer nessa população é pouco abordado, e há uma escassez de ações efetivas para o seu enfrentamento, prorrogando as disparidades nas condições de vida e saúde.”
Em 2023, Janaína se especializou em Direitos Humanos, Relações Étnico-Raciais e Saúde, além de Direitos Humanos e Saúde Global pela ENSP-Fiocruz. “É latente em mim a necessidade de estudar para garantir o direito e o acesso ao cuidado oncológico para aqueles que tanto contribuíram para o nosso país, mas estes estão sendo os principais negligenciados dentro do sistema.” Recentemente, ela recebeu o Certificado en Estudios Afrolatinoamericanos do Institute for Afro-Latin American Research da Universidade de Harvard (ALARI) e teve a oportunidade de colaborar com a formação de enfermeiros latino-americanos no Seminário Antirracista do Instituto ALARI - Harvard.
É integrante do Race.ID, grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da USP dedicado à saúde da população negra. Ao lado de outros dois pesquisadores, prepara-se para desenvolver um doutorado que tem como foco mulheres com câncer de colo do útero – um projeto que já ganhou reconhecimento antes mesmo de começar. O estudo foi selecionado para receber um grant internacional, apoio financeiro concedido a iniciativas de relevância científica, e será conduzido por enfermeiras navegadoras negras.
Janaína é clara sobre seu anseio de ver mais profissionais negros ocupando espaços antes considerados inatingíveis. “Meu desejo é que nós, pessoas negras, possamos continuar ocupando espaços que são frequentemente vistos como impossíveis de alcançar e continuar com a formação de profissionais na luta antirracista, para finalmente termos um cuidado centrado na pessoa.”
Caminhos possíveis para a prevenção
Em relação às estratégias de prevenção do câncer de mama, Janaína reforça a importância de uma vida ativa, adequando-a para as condições de cada pessoa. "O primeiro malefício que podemos fazer, para nós mesmos, é querer encaixar a nossa realidade na realidade do outro. Eu não vou conseguir praticar atividade física três vezes na semana, por exemplo, mas será que eu consigo fazer uma caminhada duas vezes por semana? Será que consigo, depois do trabalho, dar uma volta no quarteirão da minha casa? Você precisa tentar, em algum momento, encaixar a atividade física na sua vida por uma questão de saúde. Os números provam isso", enfatiza.
A alimentação e o consumo de álcool também são pontos importantes. “Pessoas com boas condições financeiras e que conseguem entender o prejuízo têm a possibilidade de fazer a troca de uma taça de vinho por um drink não alcoólico, mas, se vocês ampliarem o olhar para comunidades, isso raramente será uma opção. Como fazer com que informações de prevenção sejam algo viável para todos?”, questiona a profissional de saúde.
"Somos brasileiros, e a grande maioria adora churrasco, embutidos e aquela cervejinha em qualquer oportunidade. O que eu penso é: como podemos conscientizar e equilibrar?” Para Janaína, analisar a realidade e as possibilidades de cada paciente é o melhor caminho – e o equilíbrio vale muito mais do que ser radical. “Pequenos passos já são um avanço. Eu, por exemplo, consegui excluir o refrigerante e por gostar muito de café e tomar várias vezes ao dia, escolhi cortar o açúcar. Assim acredito que quando realizamos educação em saúde com nossos pacientes temos uma arma poderosa em mãos: conhecimento gera reflexão que leva a mudanças”, finaliza.
MAMA MAG é uma iniciativa do MAMA. Semanalmente, publicamos entrevistas e reportagens sobre assuntos que conectam arte, cultura, tecnologia, saúde e bem-estar.
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